sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Sustentabilidade econômica tem de ser prioridade na Amazônia

Artigo



A máxima“a Amazônia é o pulmão do mundo” é amplamente declamada por ambientalistas, ecologistas e pela sociedade em geral como uma tentativa de mostrar o interesse pela causa ambiental que a floresta reserva. Entretanto, mais do que cuidar do pulmão metafórico e verde que o mundo vê como a salvação para as depredações irreversíveis que já foram feitas àa terra, é preciso olhar para as pessoas que lá vivem.
Manaus, capital do Amazonas - estado que ainda preserva boa parte da sua floresta- cresceu nos últimos 20 anos numa taxa populacional acima da média brasileira. Atualmente, com mais de dois milhões de habitantes, muitos migrantes do Sul e Nordeste, a metrópole sofre com os problemas de habitação, saneamento básico e planejamento viário. Cerca de 80% dos empregados trabalham na indústria, fundamentada na Zona Franca de Manaus. Esse pólo foi criado como uma tentativa de esquentar a economia brasileira e seguindo a política militar da década de 70 de “integrar para não entregar” a Amazônia à responsabilidade internacional. A ZF trouxe à Manaus um parque de multinacionais atraídas pela isenção de impostos. Hoje, as essas mesmas multinacionais dão emprego a toda a região, e produzem para todo o mundo inteiro.
Diferente do que o governo insiste em dizer sobre “a estabilidade da economia brasileira perante a crise”, os trabalhadores da Zona Franca discordam e vivem uma realidade totalmente diferente daquela o que o planalto reitera em números e afirmações. Com as raízes na crise internacional, as fábricas diminuíram significativamente a produção, desacelerando o ritmo de trabalho até a completa parada de linhas. Na sexta-feira, 21 de novembro, uma empresa fabricante de carregadores de celular fechou sua principal linha de montagem. Os 400 funcionários demitidos são vítimas da crise econômica mundial.
O consumidor, no mundo inteiro e principalmente no exterior, com medo do gasto pesar muito no bolso , resistiu ao desejo de comprar novos e potentes aparelhos celulares com medo do gasto pesar muito ao bolso. Entretanto, essa mudança de prioridades nas compras desestrutura uma pirâmide de postos de trabalhos que dependem das vendas dessas “frivolidades’’. A redução da demanda diminui a produção de aparelhos e de acessórios, como os carregadores. Dificilmente esses trabalhadores demitidos serão reinseridos no mercado de trabalho. Afinal, as Apesar das 500 indústrias com sede na região tem caráter exportador e estão , todas são dependente da economia mundial reduzindo drasticamente seu quadro de funcionários. pelo seu caráter exportador.
O vínculo meramente trabalhista das multinacionais, elas usufruem da mão de obra local mas não do comércio nacional, fragiliza a economia amazônica, que fica a mercê da saúde financeira do globo. É necessário um novo modelo econômico para a região. A zona franca tem data específica de término, 2033, quando o governo federal pretende não abonar mais os impostos fiscais. Essa data, para muitos, significa a desertificação da região. Empresas como Siemens, Philips, Honda, Nokia e Semp-Toshiba se deslocarão para locais onde as vantagens produtivas existaem. Enquanto isso não acontece, os trabalhadores já sofrem com qualquer deslize financeiro mundial e se tornam objetos do capitalismo globalizado.
A evasão mostrará que Manaus, quarto maior PIB per capta do país, segundo o IBGE de 2004, não passa de um hotel de capital dependente do setor industrial. A crise é o momento para repensar os pilares de uma floresta que tem toda a atenção midiática voltada àa natureza, mas é tão importante economicamente quanto as causas ambientais. Novas políticas desenvolvimentistas, que aliem a capacidade de produção local aos recursos naturais e desvinculem o trabalhador das multinacionais, são essenciais para a sustentabilidade amazônica. Manaus espera, ansiosamente, por menos descaso nacional com sua economia e pela reforma no sistema falido de geração de emprego.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Uma ODE ao niilismo

Crítica de Teatro

A peça “Começa a Terminar” é paradoxal desde o título. E enfadonha partindo do formato adotado: um monólogo. Apesar de se propor a ser uma copilação de textos de Samuel Beckett, não fica claro o que é texto original e o que é divagação do diretor, Antonio Abujamra, que também protagoniza a montagem.
Com um sobretudo preto e óculos esculos, Abujamra, dependendo do foco de luz, chega a ser macabro. Sua voz possante reverberou no Teatro São Pedro questionando a platéia perguntas existencialistas. Os primeiros 20 minutos de peça se centraram em Abujamra, no meio do palco, perguntando: por que o público estava ali? Por que ele deveria estar ali? Por que nós escolhemos dividir o mesmo espaço? E chegava à conclusão que todos deveriam ir embora. Deveríamos ter ouvido o conselho.
O cenário era simples, um pano de fundo com o nome de diversos autores clássicos da literatura mundial e uma cadeira. Abujamra também pediu uma árvore, para que ele pudesse se matar na nossa frente, mas, infelizmente, não foi atendido. A iluminação está de parabéns. Ampliou o palco e deu mais profundidade as reflexões do autor. O som, no entanto, era ensurdecedor e, muitas vezes, atrapalhava o desenrolar do espetáculo.
Para não dizer que o autor estava completamente sozinho, um casal também se encontrava no palco. No entanto, eles representavam a consciência do espectador, e em momentos de surto, se batiam e gritavam: “Ele não disse a frase? Que frase? Está sofrendo repressão! Mentira! Ele disse a frase! Não, desfaleceu. Fale a frase!”. E Abujamra sutilmente respondia: “não vou dizer a frase”. Os escândalos fomentavam o espetáculo, ao ponto da moça do casal, uma mulher de cabelos ruivos e pele alva, arrancar as roupas e ficar com os seios amostra no palco. Para a alegria de alguns. Puro marketing.
O espetáculo tinha a previsão de 60 minutos de duração, mas aos 45, Abujamra joga a toalha. A sensação era de que “Acabara de Terminar”uma apresentação tão longa quanto Fausto. Com mais de cem peças em seu currículo e diversos prêmios conquistados, Abu parecia cansado para o 15º Porto Alegre em Cena. Mesmo assim, honrou a fama de desconstruidor de tabus e conceitos. Antonio Abujamra provocou. Conseguiu chocar o público. No entanto, não sei bem se esse era seu intuito. Ou se havia algum intuito. Ou se o intuito era não ter intuito algum.

Para constar: a tão secreta frase “era eu amo Samuell Beckett”, revelada no fim. Haja paixão.

Tags, as etiquetas virtuais da Web 3.0




Artigo
As Post-it (etiquetas de papel grudáveis) foram aposentadas. Quadradinhas e com cores fosforescentes, eram úteis como lembrete e na separação de conteúdo nas escolas e nos escritórios. As TAGS (palavra inglesa que designa etiquetas) desempenham esse papel no mundo virtual do World Wide Web. A plataforma é outra, mas a função é a mesma: diferenciar com palavras-chaves o conteúdo que é consumido.
Essas etiquetas virtuais colaboram para construir um vocabulário digital e formar a mitológica ( e tão real) Web 3.0. O termo que surgiu publicado pela primeira vez em uma matéria de John Markoff, jornalista do The New York Times, em 12 de novembro de 2006 ,categorizou e previu um novo sistema de compartilhamento digital: uma web semântica. Desmiuçando, essa nova internet seria capaz de “entender” o internauta e dar resposta completas e razoáveis a perguntas nos principais mecanismos de busca.
Antes que as respostas cheguem, é preciso desenvolver um vocabulário para internet. Nada de HTML e Javas. O alfabeto é ensinado ao computador pelos próprios usuários da rede. A internet começa a conectar as palavras-chaves adicionadas aos websites e assim forma um vocabulário. Quanto mais tags forem adicionadas a um determinado conteúdo virtual, mais facilmente a internet entenderá do que se trata.O sistema funciona como blocos de Lego- como exemplifica John Markoff- onde as páginas são publicamente descritas de forma que todos possam conectá-las.
As tags possibilitaram ao internauta de descrever com as próprias palavras o que o conteúdo lido significa para ele. Uma revolução a partir do momento que os filtros são criados pela visão dos receptores e não mais somente do emissor. Essa interatividade faz com que a informação não tenha limites de difusão e identificação. A cultura digital é um processo expansionista, uma cultura do acesso. Como defende Lucia Santaella, a partir de uma leitura de Hayles(1996): “Informação não é um quantidade conservada. Se eu lhe dou informação, você a tem e eu também. Passa-se aí da posse para o acesso. Este difere da posse porque o acesso vasculha padrões em lugar de presenças’’.
Diversos programas utilizam o mecanismo de etiquetagem para satisfazer o consumidor. Há mais de 15 bilhões de websites na internet. Organizar e separar os conteúdos são maneiras de diminuir o caos da rede virtual. As tags nas páginas virtuais estão relacionadas ao sistema de Social Bookmarks (marcadores) que separa conteúdos e os armazena numa pagina pessoal de compartilhamento.
Com centenas de sites indexadores, a tendência de páginas nesse formato é marca de um público que confia mais na escolha dos seus “iguais” (da própria audiência) do que de um registro fechado empresarial. A influência dos indivíduos anônimos e ao mesmo tempo tão próximos fomenta as comunidades que se guiam pelos mesmos interesses etiquetados.
O Delicious, popular site americano de marcadores, defende ter melhorado a forma como as pessoas descobrem, lembram e compartilham o conteúdo. Cria-se uma conta e o usuário pode acessar de qualquer computador suas páginas favoritas previamente separadas ( o que antes só era possível através da ferramenta Favoritos de cada navegador). Ele pode também criar uma rede de contatos, para ver o que seus colegas acessam na internet, ou buscar conteúdos por palavras-chaves.
O Stumble Upon, outro bookmark, diz que o que diferencia o sistema de busca nos sites especializados em marcadores de buscadores como o Google é a capacidade que você tem de determinar o que é melhor. A revista Time ressalta a respeito do Technorati, comunidade virtual que reúne informações de bloggeiros a representantes comerciais através do sistema de tags dos seus associados, que: “se o google é a referência como livraria, Technorati é a cafeteria”, ou seja, a comunidade proporciona o contato intimista, imediato e objetivo de dados com seus principais interessados.
O internauta pode taxar tantos textos quanto fotos nos sites. As imagens virtuais são categorizadas principalmente através do Flickr. Associado ao Yahoo, o programa é um banco de imagens onde os usuários publicam suas fotos e as indexam de acordo com a sua preferência. Isso facilita a busca de imagens que, sem essa identificação, seriam anônimas no sistema virtual.
Kevin Kelly no seu livro New Rules for the New Economy questiona até onde as ferramentas que utilizamos no mundo digital ditam nosso comportamento e que tipo de economia a tecnologia está nos proporcionando. A resposta vem com os conselhos de Carver Mead, um dos inventores dos modernos chips de computadores: “ouça a tecnologia e descubra o que ela fala a você”. É a web 3.0 reverberando.
A web semântica nem sempre agrada os “rotulados’’e pode proporcionar o bulling. Para exemplificar a situação, o caso da atriz e cantora brasileira Preta Gil, filha do ex-ministro da cultura Gilberto Gil, delineia como o mecanismo de tag educa a internet. Preta Gil foi a uma praia do Rio de Janeiro dar um mergulho. Mas, ao sair do banho de mar, parte do biquíni da atriz havia ficado nas ondas. Por ser figura pública e celebridade, um paparazzi não perdeu a oportunidade de registrar o momento com uma foto.
A imagem foi parar em sites da internet. A atriz se incomodou com a exposição de sua imagem e processou o Google Brasil. O mecanismo de busca, que com certeza não havia tirado a foto, foi alvo das reclamações da atriz. A acusação foi de difamação, pois, ao digitar as palavras atriz gorda, o buscador dava como possibilidade experimente também: Preta Gil.
Entretanto, a opção aparecia não por “associação de má fé” do Google, mas pela própria semântica da internet. O evento se tornou notório, além de seminua a atriz se encontrava acima do peso. A busca pela foto foi intensa e os internautas a rotularam de gorda ao reproduzir a imagem. O buscador sempre disponibiliza conteúdos associados quando uma busca é freqüente taxada com as mesmas palavras.
O caso se depara com um debate ético dessa internet de associações. Até quando a permissividade de resultados de buscas como essa é legal? O Google Brasil se mostrou apto a reverter a situação, como explicou o diretor de comunicação Feliz Ximenes : "fizemos um 'black list', já que era uma associação indevida. (...)O 'black list' insere um código no sistema, dizendo que não há parâmetro entre uma coisa [atriz gorda] e outra [Preta Gil]". O advogado da atriz disse que se o Google tinha a capacidade de desassociar as características, então ele foi permissível ao constrangimento. O meio é co-responsável pela divulgação, de acordo com o advogado.
Essa inteligência virtual é meramente lingüística e não segue padrões morais.
Se a Web 3.0 busca uma lógica humanizada, tem de ter características éticas. Impedir o bullying não seria um ato de censura, mas um mecanismo de proteção. Os bugs dessa leitura etiquetada ainda existem e devem ser discutidos.

R.E.M, Barack and Roll

Na noite dessa quinta-feira, 6 de novembro, o Estádio São José abrigou o que provavelmente ficará na história como seu evento mais famoso: o show da banda norte-americana R.E.M. Há 28 anos, o vocalista Michael Stipe e seu time misturam irreverência com politização e mantiveram os gaúchos por mais de duas horas em êxtase.
O ingresso caro (de R$ 80 a R$ 300) não impediu que a lotação de 25 mil pessoas do estádio fosse quase alcançada. Primeiro show da banda em Porto Alegre e o segundo no Brasil, os roqueiros americanos apresentaram as principais músicas do álbum Accelarate, lançado em 2008, com o qual o público se mostrou familiarizado. Entretanto, foram os hits mais famosos que cativaram a audiência. Um coro uníssono entre platéia e palco vibrou em "Imitation of Life", "Losing my Religion" e "What’s the frequency, Kenneth?".
Na platéia, entre as bandeiras coloradas, gremistas e do Brasil, placas de apoio a Barack Obama: “We Love Barack too”. O show na capital gaúcha foi o primeiro com o novo presidente americano definido oficialmente. Candidato favorito da banda, durante a apresentação no Chile o REM acompanhou no palco a contabilização dos últimos votos com alegria. No Brasil, Michael Stipe comemorou “as esperanças de uma representatividade efetiva do povo americano através de Obama” e dedicou uma música ao presidente.
Sem parar de dançar um minuto, Stipe se encontra, aos 48 anos, em plena vitalidade. Intervenções como o uso de um megafone em "Orange Crush" e a gaita de boca em "Bad Day" só reafirmaram a criatividade da banda. Os telões mostravam os músicos em diferentes ângulos e filtros coloridos, misturando clipes com as imagens ao vivo.
Para o público, o espetáculo começou às 17h, quando os portões foram abertos. Mas profissionais locais e a equipe internacional preparavam cada detalhe há meses. Da divulgação à montagem do palco, finalizado na segunda-feira. Teddy, 58 anos, trabalha há 20 com a venda de camisas e artigos oficiais da banda. Com seu stand no meio da platéia, o estadunidense de Wisconsin viaja o mundo todo e fala que “ a banda demorou demais para vir ao Brasil, estamos vivendo um experiência cultural incrível em Porto Alegre’’.
O Nenhum de Nós, banda gaúcha, fez uma rápida apresentação de abertura. Afinal “o REM é nossa banda favorita e nós estamos tão ansiosos quanto vocês para vê-los”, disse Thedy Corrêa. Pontualmente às 22h, o baixista Mike Mills, o guitarrista Peter Bruck e o baterista Bill Rieflin acompanharam Michael Stipe no show que, sem exageros, foi melhor do ano.
O R.E.M disponibilizará no seu site oficial as fotos e vídeos do espetáculo no “Zequinha Stadium”. O público pode contribuir na divulgação com seus registros particulares. A partir do momento que forem postados no Youtube e Flickr as fotos e vídeos com os tags (etiquetas) rembrasil –ou #rembrasil para o Twitter- as produções amadoras automaticamente aparecerão no site da banda. Visite e confira : http://tour.remhq.com/

fotos: Lívia Stupft/Hiper
Matéria pulblicada na CYBERFAM

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Empregos temporários não garantem vaga no mercado de trabalho

Os últimos três meses do ano são sempre de economia aquecida. A época do Natal faz com que as lojas aumentem consideravelmente as vendas, e, com isso, é necessário contratar novos funcionários. Entretanto, os empregados temporários que o comércio procura não têm, em sua maioria, a qualificação e experiência necessária. A lei da oferta-e-procura torna-se "lei da procura" de ambos os lados.
Dados da Associação Brasileira de Empresas e Serviços Terceirizáveis e do Trabalho Temporário (Assertem) prevêem a criação de 50 mil vagas até o final deste ano em todo o Brasil, das quais 40% ainda estão em aberto. Em Porto Alegre, as buscas por novos funcionários já começaram. Em uma rede varejista de calçados, o gerente Rafael Duarte (26) diz que vai aumentar em oito fucionários o quadro de 22. Eles ficarão até o dia 31 de dezembro, dependendo do movimento: "A empresa prevê 12% de lucro a mais com as festas, mas nós alcançaremos 20% nessa temporada."
As oportunidades, entretanto, não trazem estabilidade. E preocupam tanto o empregado, quanto a família. Ana Letícia dos Santos (21) é funcionária temporária de uma companhia responsável por organizar estoques de empresas. A mãe, Ana Lucia dos Santos (39) diz que a filha terminou o segundo grau às pressas no supletivo, para se inserir no mercado de trabalho. Mesmo assim, tem dificuldade em encontrar emprego e não consegue trabalho fixo. A mãe afirma que no emprego atual "exigem demais dela, e o salário é pouco".
Bianka Freitas (31) é gerente de uma loja de roupas. "Em novembro começam os lucros maiores por causa do 13º salário, no meio de outubro já temos várias novas funcionárias." O esforço é essencial para o sonho do posto de trabalho mesmo depois das férias natalinas. A cada cinco contratadas, três são efetivadas na rede multimarcas.
As agências de emprego encontram-se lotadas. Na Estágio Sul de Recursos Humanos, a movimentação se dá principalmente pela possibilidade de emprego temporário nos Correios. Os servidores estão em greve em Porto Alegre, então a busca por carteiros substitutos é intensa. Jackson Cunha (18) tentou alguma destas vagas, mas como não tem segundo grau completo, não foi selecionado. A falta de qualificação é o principal problema de quem busca emprego.
Confira aqui as entrevistas com Jackson Cunha e Eliane Labatut (38), desempregados.
Não só o comércio movimenta os empregos temporários, mas também as eleições. Luis Claudio (43) trabalha como funcionário na campanha de um dos candidatos à prefeitura de Porto Alegre. Ele se acidentou e aproveitou os meses de licença do trabalho de entregador de bebida para procurar emprego temporário nas eleições. "Não dá pra ficar parado", afirma Luis Claudio, com a bandeira do partido nas mãos e R$ 420 para militar no segundo turno.

Matéria pulblicada na CYBERFAM

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Diploma de Jornalismo é tema de audiência pública na Assembléia Legislativa do Estado

Uma audiência pública promovida pela Comissão de Educação, Cultura, Desporto, Ciência e Tecnologia da Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul discutiu na terça-feira, 16 de setembro, a desregulamentação da profissão do jornalista. Estiveram presentes representantes do sindicato dos jornalistas, da Central Única dos Trabalhadores (CUT), da Associação Riograndense de Imprensa (ARI), das faculdades de comunicação, dos estudantes, além de deputados. As proposições expostas vão compor um documento que será encaminhado ao Supremo Tribunal Federal (STF) manifestando a posição de defesa da obrigatoriedade do diploma.


Às 9h30, o plenarinho da Assembléia Legislativa se tornou palco de uma discussão muito conhecida por parte dos jornalistas: a necessidade da formação acadêmica. Estiveram presentes na mesa de debates o vice-presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) Celso Augusto Schröder, o presidente da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom) Antônio Hohlfeldt, o diretor do Departamento de Ensino da ARI e do Departamento de Comunicação da UFRGS, Mario Rocha, o presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do RS, José Maria Rodrigues Nunes, o presidente da CUT/RS, Celso Woyciechowski, além dos deputados Frederico Antunes e Marisa Formolo.
Desde a regulamentação como profissão, em 1969, há divergências a respeito da validade da exigência de diploma para exercer a profissão. Celso Schröder, vice-presidente da Fenaj, afirma que a discussão começou nos meados dos anos 70, com a empresa jornalística Folha de São Paulo. A organização considerava ilegítimo o diploma por uma questão puramente financeira, conforme Schröder: "Pretendendo baixar os custos da sua folha de pagamento, a Folha começa pregar a desregulamentação da profissão." Antonio Hohlfeldt afirma que a crescente divulgação na mídia dos problemas entre os políticos pode pesar na avaliação do caso do Supremo Tribunal Federal: “O que tem incomodado muito a eles é a denuncia das corrupções nos Poderes, sobretudo no Judiciário”. Gilmar Mendes, presidente do STF, mantém o julgamento do recurso na gaveta e disse que vai avaliar pessoalmente o caso.
Schröder complementa que quem ganha com a perda do diploma são as corporações. "Os donos dos jornais decidirão quem é jornalista. Escolherão de acordo com o preço e os seus interesses particulares", prevê. O diretor do Departamento de Ensino da ARI e da UFRGS, Mario Rocha, ressalta que "fazer jornalismo não é participar de um negócio da comunicação" e a deputada e diretora da Comissão, Marisa Formolo, reforça que "aceitar a desentitucionalização é aceitar a mercantilização da profissão".
A maioria dos parlamentares presentes demonstrou desconhecimento da causa até o presente instante. Entretanto, após o debate, a conscientização da relevância da formação foi unânime. O deputado Frederico Antunes apoiou a causa e sugeriu uma maior divulgação para o entendimento de todos. "Se o senhor não se apropriou da causa, imagine a sociedade como um todo!", reclamo uma jornalista da platéia.
A única que expôs idéias a favor da desregulamentação foi a presidente da Executiva Nacional de Estudantes de Comunicação Social (Enecos), Marília Cancelli. Ela afirmou que a obrigatoriedade não assegura melhores salários ou formação ética. Apesar de não concordar com a maioria, Cancelli solicitou que "que seja pautado no documento a qualidade de ensino, a ética e responsabilidade profissional". O presidente do Sindicato dos Jornalistas do Rio Grande do Sul, José Maria Nunes, rebateu Marília afirmando que, no fundo, ela também era a favor do diploma, afinal “não é somente uma defesa coorporativa da profissão, mas da qualificação”.
A audiência termina já com propostas de novos encontros. Mario Rocha sugeriu uma reunião sobre o mesmo tema na ARI, com a participação dos estudantes, e o deputado Frederico Antunes sugeriu que a Assembléia Legislativa promovesse uma audiência para discutir as concessões na comunicação e os poderes cruzados, que, na sua visão, revelam os reais conflitos de poder nas comunicações.

Matéria publicada na CYBERFAM

Ferramenta traz a Bolsa de Valores para o seu computador

Nada de gritos, bagunça e telefones tocando descontroladamente. Corretoras lançam no mercado a ferramenta de investimento em ações Home Broker. Agora, as pessoas podem comprar títulos da Bovespa em casa, através do próprio computador.
O nome pode não ser fácil, mas o sistema, sim. Home Broker - em inglês, "investidor doméstico" - atualmente é uma das ferramentas mais práticas para o serviço de compra e venda de ações (títulos) e opções (ações em aberto) na Bovespa. No sistema tradicional, o investidor compra as ações e um corretor monitora o desempenho delas através de uma agência de corretagem. Todas as ordens de investimentos têm de ser mediadas pelo funcionário da empresa financeira. Através do Home Broker, o próprio investidor adquire, compra e monitora as ações.
O programa é disponibilizado pelas corretoras nas suas páginas virtuais. Ele possibilita a visualização do pregão e acompanha o desempenho das ordens ao vivo. Os mesmos websites demonstram como fazer as principais operações do programa em vídeos explicativos. Atualmente, 30% dos investidores brasileiros usam essa ferramenta.
Clique aqui para ver o sistema utilizado pela Ágora, precursora no Brasil
Fábio Silva, 24 anos, é estudante de administração e decidiu investir através do sistema Home Broker pela praticidade. "A Bolsa tá subindo, tá descendo, e eu posso estar com meu notebook aqui, no trabalho, na praia e monitorando o que tá acontecendo", diz o estudante. Ele investe em ações pois busca uma renda extra, residual, que independe do trabalho. Fábio começou a aplicar através do sistema tradicional e, depois, conforme adquiriu confiança e conhecimento sobre os fluxos da Bolsa de Valores, partiu para o sistema Home Broker.
Apesar do perfil médio do investidor que usa o Home Broker ser de alguém com uma noção prática do mercado, com certa experiência, Alfredo Meneghetti, economista da Fundação de Economia e Estatística, afirma que não há necessidade de conhecimento prévio. "Vai se aprendendo aos poucos", diz Meneghetti. Esse medo de investir faz com que, no Brasil, somente 1% das pessoas físicas atuem na Bolsa, aproximadamente 170 mil. Nos Estados Unidos, mais da metade da população investe em ações. Para os mais inseguros, há diversos cursos que assessoram o investimento, como os da XP investimentos. Além de literatura: três exemplos de livros são "Aprenda a Investir em Ações" e "A Operação na Bolsa via Internet", de Carlos Brum (Editora Ciência Moderna), e o best-seller "Pai Rico Pai Pobre", de Robert Kiyosaki (Editora Campus).
O programa é disponibilizado pela maioria das corretoras, mas não todas. É necessário consultar o site da Bovespa, que contém a lista das Home Broker disponíveis, ter uma conta no banco e, com até R$ 3 mil, começar a montar a sua cartela de investimentos. O valor do serviço de Home Broker varia por corretora, mas geralmente são cobradas apenas as tarifas por transações na Bolsa, e não o uso do software.
O economista Meneghetti afirma que "ou você entende que as empresas podem ajudar o teu futuro, ou você fica refém de banco. Isso quer dizer que você vai botar dinheiro na caderneta de poupança e eles vão te render míseros 0.7, 0.6% de lucro ao ano". Fica a dica da importância de se informar sobre o mercado acionário.

Matéria publicada na CYBERFAM

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

E aí, tá ligado nas Eleições?

A expressão coloquial não é à toa. Os jovens participam em peso nas eleições municipais de 2008. Candidatos e eleitores mudam a imagem da política e constroem novas maneiras de participação nas questões públicas.

As eleições municipais de 2008 trazem, literalmente, muitas novidades. A participação maciça de candidatos jovens marca as campanhas. Atrás das urnas, no Estado do Rio Grande do Sul, o crescimento do eleitorado composto por menores- 30 mil a mais do que nas eleições de 2006, totalizando 165.593- também é significativo. Há dados que apontam 200 mil jovens votantes entre 16-29 anos.
Lauro Hauffmann, ex-locutor do repórter Esso, acredita que "a juventude está construindo o seu futuro, e nós temos que respeitar isso". Essa participação jovem não deriva de um só fator, mas de toda uma conjuntura. A política tradicional sofre através das crises, da corrupção e das questões relacionadas com a falta de ética. De acordo com o sociólogo Adão Clóvis, existe um processo natural de decomposição das instituições. "Ali tu tens um estereótipo, do político de terno e gravata, da mulher de tailleur. Quando a política tradicional sofre essa erosão, não só a política é afetada; são as frases, o léxico e a maneira de vestir" afirma o sociólogo. Em conseqüência disto, a forma como os candidatos se apresentam muda. A busca da renovação não se restringe às novas idéias de governança, mas ao apelo físico de mudança, que é a imagem do jovem.
José A. Bueno, 21 anos, é candidato a vereador. "Decidi me filiar ao partido após as primeiras denúncias do famoso caso do mensalão. Fiquei extremamente revoltado com o que aconteceu", relata. Adão Clóvis explica que num momento de crise os jovens têm a participação mais evidente. Eles representam a população que não pode parar a rotina cotidiana para reivindicar e usam o potencial de contestador e revolucionário para se expressar.
A nova geração não tem o costume de sair em greves, mas nem por isso sua participação política é inexpressiva. Diego Hamester, 18 anos, diretor da União de Secundaristas das Escolas Públicas e integrante do Comitê da Juventude de Estudantes do Julinho explica: "A juventude se expressa de outras formas. Não saímos nas ruas mas nos manifestamos de outras maneiras. Uma intervenção a partir da cultura e dos esportes".
As tribos jovens existem - emos, os que cultuam o hip hop, entre outros grupos expressivos- e têm suas próprias políticas e objeções. O trabalho dos candidatos que buscam cativar os jovens é politizá-los para mostrar as suas reivindicações à sociedade. "O jovem que vem do nosso meio e se interessa por política faz o direcionamento específico pra galera", afirma Diego.
Gisele Borges, 24 anos, candidata a vereadora, considera que "a juventude tem uma linguagem própria, nós aproveitamos desse jeito diferenciado para passar as nossas idéias. De forma leve e com a cara da juventude. Utilizamos de identidade visual e de materiais dinâmicos que representam essa linguagem". A candidata disponibiliza em sua página pessoal na internet bonequinhas virtuais dela mesma e oferece a todos a possibilidade de adicioná-la no MSN, programa de troca de mensagens instantâneas via Internet.
Muito do que o jovem sabe sobre política se dá através do mundo virtual. Acreditam que o meio, mais interativo, facilita a pesquisa de informações dos candidatos e proporciona maior credibilidade. Otto Herok, 27 anos, estudante de jornalismo, não vê o horário político. "Eu não assisto porque neste espaço você não consegue captar as propostas concretas que um político pode te oferecer. Acho que têm que procurar outras fontes; a imprensa, blogs especializados."

Veja a seguir a opinião de outros jovens sobre o horário eleitoral

domingo, 24 de agosto de 2008

Desafio de voltar para casa


O Hospital São Pedro passou pelo processo de reforma institucional,e as primeiras mudanças do sistema podem ser sentidas.

Lugar de louco é no manicômio. A idéia faz parte de um passado que os defensores da inclusão de doentes mentais na sociedade querem ver pelas costas. E estão acompanhando, pelo menos os primeiros passos, para essa concretização: alguns pacientes que já estiveram internados no Hospital Psiquiátrico São Pedro agora moram em casas, ganham o próprio dinheiro e tem o direito de gerir suas vidas.
A Residência Terapêutica Morada São Pedro é esse novo lar. A lei Antimanicomial número 10216 de 6/4/2001 oficializou a transferência do tratamento que se concentrava na instituição hospitalar para uma rede de atenção comunitária e aberta.
O HPSP, que abrigou doentes mentais por mais de 120 anos, segue agora as tendências da nova psiquiatria que prega a desintitucionalização.
O processo é gradual, encontra dificuldades e busca soluções para a inclusão dos pacientes na sociedade. A construção da cidadania é o maior desafio.
É um trabalho psicossocial amplo. Envolve grande mobilização. Mais de 30 profissionais de diversas áreas trabalham no local: massoterapeutas, psiquiatras, enfermeiros entre outros. Na vila São Pedro, uma comunidade já existente na parte de trás da instituição hospitalar, 27 casas foram construídas. Cada uma comporta quatro internos e um técnico plantonista. De 50 a 60 pacientes já foram alojados.
A transição para a Morada é feita em etapas. Pacientes das mais diversas alas são avaliados e acompanhados por aproximadamente 30 dias até a total instalação na casa.
Nas casas, conquistam um direito simples: liberdade de escolha. Nenhum doente mental é obrigado a realizar atividades ou permanecer nas casas.
“O complicado da transação é que pessoas internadas por mais de 30 anos precisam aprender coisas básicas do cotidiano. Como um simples fechar de porta’’, explica a estudante de psicologia Michelle dos Santos Ramos que estagiou na Morada São Pedro.
A idéia é que não seja apenas uma troca de endereços. É um processo de socialização. No hospital, há uma rotina fixa. Três refeições diárias, entrega de remédios e a partir das 18h30min os internos começam a dormir. Nos lares, essas pessoas descobrem outras formas de aproveitar o dia. Precisam ter responsabilidades. Manter uma casa implica em limpar, cozinhar e arrumar.
Os funcionários não fazem tudo por eles. E sim, com eles. “E muito mais fácil resolver por eles. Ensinar, acompanhá-los nas atividades, é bem mais difícil”, diz a educadora física-sanitarista Vera Resende, que também foi uma das responsáveis pelo projeto Morada. “Foi uma inserção de espaços e valores que antes não lhes pertenciam. Se não fechar a porta, entra ladrão. A luz precisa ser apagada. A casa arrumada.”
O programa De Volta para Casa consiste em um auxilio federal de R$240 para os doentes instalados em casas.Porto Alegre foi um dos primeiros a implantar a bolsa, que veio como alternativa em 2003. Financiado pelo SUS, mais de 50 pessoas se beneficiaram. O beneficiado usa o valor como preferir. Difere do auxílio que já recebiam do governo estadual, o Fundo Loas, no qual é necessário prestar contas- do fumo à comida. Apesar do valor maior, R$405, o Loas interdita as pessoas, que tem suas escolhas sujeitas à aprovação. Elas não podem gerir seu dinheiro.
No local ,onde foi construída a Morada, há uma vila. Uma comunidade carente instalada em um terreno invadido que aguardava a liberação fundiária. O governo prometeu a eles a construção de casas populares. A população as recebeu simultaneamente a construção da Morada São Pedro. 30 casas para os moradores da vila, ao lado das 27 dos desintitucionalizados. Entretanto, não foram suficientes para todos da comunidade local, que continua boa parte, morando em casebres.
''Muitos dos doentes têm medo de morar lá. A região tem tráfico, os saques são constantes’’, diz a estagiária Michele Ramos.
Vera Resende justifica que a morada foi instalada na região por diversos fatores. Primeiro, a disponibilidade. O terreno foi doado. O ideal do projeto de desintitucionalização são casas espalhadas por diferentes bairros da cidade. Cada paciente poderia contar com o apoio de Centros de Apoio Psicossociais locais, CAPS, como acontece em outras partes do país. Porém, o ideal é muito mais caro.
Também há a questão política. O projeto que estava em andamento desde 1999 não poderia esperar a troca de governo. Mudança governamental acarreta em mudanças de prioridades. Não havia como perder a oportunidade.
Vera acredita que outros bairros seriam hostis à instalação das casas, porque existe preconceito com o projeto. “Os moradores de bairros mais nobres não iriam aceitar ter como vizinho um doente mental, é preciso uma conscientização da sociedade.’’ A proximidade com o hospital facilita a assistência psiquiátrica.
A física-sanitarista acredita que a interação foi bem sucedida. Muitos moradores começaram a trabalhar nas casas dos próprios ex-internos. A questão da violência, ela diz ser um problema de toda a cidade, não só da vila.
Muitos funcionários do São Pedro não são a favor da troca de residência. Assim, perdem a segurança do emprego dentro do hospital. Tentam convencer os internos que não vale a pena o mundo de fora. Mais de 50% fica com medo de abandonar a instituição.
Aos poucos, os pacientes vêem que a advertência que recebiam não passava de um susto. E que há conveniências na mudança. Uma pesquisa recente revela que ouve uma melhora na maneira de resolver os problemas diários e uma diminuição na medicação.
Os internos do São Pedro faziam serviços obrigatórios: lavagem de carro, agricultura e crochê. Um mês de colheita era remunerada em R$50.
Uma senhora, que preferiu não ser identificada, comenta que trabalhou toda a vida no São Pedro. Agora, considera-se aposentada na Morada. Diz aproveitar o descanso e fazer apenas as atividades que a interessam como a oficina de modelagem.
Os pacientes foram muito além dos muros do São Pedro. Em 2005, três residentes em saúde elaboraram uma produção escrita intitulada A História de uma Travessia sobre a transição dos pacientes. Ela acabou recebendo menção honrosa no III Congresso de Saúde Mental e Direitos Humanos realizado em Buenos Aires. E os pacientes, acompanharam a premiação e viveram uma nova experiência com a viagem à Argentina.

Um jornalista no manicômio

A situação dos hospitais psiquiátricos no Brasil já era degradante na década de 70, tanto que o jornalista Sérgio Capparelli, então com 20 anos, resolveu viver a experiência de uma internação no HPSP. O resultado de desesperantes 30 horas passadas na instituição foi publicado em uma série de reportagens no extinto jornal Folha da Manhã.
Capparelli diz ter entrado no dia 30 de outubro de 1975 em uma prisão. Tudo era fechado à chave, nenhuma janela aberta. A ameaça da injeção tranqüilizante impunha ordem entre os internos. Os comprimidos soníferos eram entregues nas refeições. O repórter não os engoliu.
Os detalhes foram captados ao anoitecer. O refeitório era um circuito fechado de loucura. Não havia realidade que sustentasse o ambiente.
Capparelli diz que os sedativos davam aos alienados uma tranqüilidade diferente, desesperada. Depois, sob o efeito de sono e de remédios, soltavam palavras ao acaso:

-Felicidade foi embora!
-Você conhece Maomé?
-Paizinho! Não deixe ele fazer isso comigo!

O cigarro definia o status. Controlado pelos funcionários, quem possuía o fumo se diferenciava entre os internos de uniforme azul e letras garrafais HPSP no peito.
Bêbados, mendigos, débeis e velhos. Toda a escória da sociedade estava no São Pedro, indiferentemente tratados.
Atualmente em Bruxelas, o jornalista Capparelli comenta sobre a experiência. Na época, o hospital abrigava 4 mil internos. Ele ficou na ala dos indigentes, alegando não ter família na cidade. A idéia da matéria surgiu logo após voltar da Europa e conhecer instituições que tratavam a loucura de outra forma. Em Munique as instituições eram auto-geridas pelos loucos. Os britânicos pregavam a anti-psiquiatria. A pauta tinha o intuito de relatar a violência da instituição psiquiátrica.
Comenta não ter sentido medo. Entretanto, não dormiu por precaução. Não aprova toda a exposição que passou para realizar essa matéria. Os surtos dos pacientes eram constantes. “Lá, eu comi bem. Note que bem é muito relativo. Eu diria que comi melhor do que em uma casa de estudante’’. Ficou satisfeito com a repercussão da matéria que mostrou para a sociedade um sistema de saúde mental falido.

Uma imagem e seu personagens


O Hospital agora mostra sinais do tempo. As paredes estão descascadas, sujas e cobertas de limo. Nos gramados da instituição, vagam homens ao sol.
O vigia ainda controla o cigarro dos ainda internos. Por não ter ganho o seu, uma senhora fuma um pedaço de jornal. Ela sorri. A boca com poucos dentes não emite qualquer palavras.
Dois homens estavam do lado de fora dos portões, Cleiton e Lauri, e diziam esperar o ônibus das cinco.
O menino Cleiton, de 17 anos, não tem um dos olhos. Os cadarços do tênis foram tirados para não correr perigo em momentos de crise. Recebeu alta depois da segunda vez internado. Pretende terminar o Ensino Médio e trabalhar como engraxate.
Lauri acabara de sair da internação. Estava na ala de agudos Mario Martins. “Saí meio pateta, meio bisonho. Tava fazendo muito tratamento, tomando muito remédio’’. Ele diz que uma inflamação no dente o colocou no hospital. “A dor deixa um meio louco’’. Quando foi internado, disse que o confinavam em um corredor. “Capaz que esse monte de guarda vão deixar a gente sair’’.
Um casal caminha em direção ao São Pedro. Nas mãos, sacolas de supermercados. Ex- internos. Atuais residentes da Morada. Casados.
Os símbolos são múltiplos. A liberdade de sair. O consumismo e o direito de escolha. A união de pessoas que por anos foram separadas por alas. A reforma institucional.
fotos: Alexandre Külnig

sábado, 23 de agosto de 2008

''Queremos todos que ligam a televisão''


Marcos Martinelli em entrevista coletiva enfatiza a aposta do jornalismo como chave da credibilidade da Record News


“Rbs é uma concorrência qualquer. O avô do Maurício Sirotsky era um judeu pobre que andava de carona com o meu avô, um alemão rico”. A rixa é clara, mas Marcos Martinelli demonstra que não tem medo de inovar para alcançar seu lugar ao sol. Formado em Direito, um bonito diploma que nunca saiu da gaveta, Martinelli escolheu o jornalismo por sobrevivência. Mais velho de quatro irmãos e filho de mãe solteira, foi de estafeta de uma rádio de Passo Fundo à manda-chuva na emissora que está ameaçando a hegemonia televisiva global. “Quem sabe, passa na peneira” fala com orgulho.
A emissora de Edir Macedo anda incomodando a Globo ao comprar a finada Rede Mulher e a substituir pela Record News. No Rio Grande do Sul, a filial foi estabelecida na Rede Guaíba e Marcos Martinelli reformulou o espaço com uma redação integrada, contratou profissionais de confiança e assumiu o discurso da personalização da informação. “Queremos ouvir os sotaques, ver a cara das pessoas da região” diz Martinelli. Indagado se isso seria apenas mais uma jogada de marketing , ele responde “Marketing em uma semana o programa morre, o regionalismo é a busca de um nicho’’ A proposta é um ato ousado que visa a democratização informação. Canais somente de notícias eram exclusividade da televisão a cabo brasileira. E canal a cabo é majoritariamente da elite. “O que é informação? É dar oportunidade escolha, das pessoas se pautarem, pensar, comprar melhor, fugir de um terremoto!’ exalta o entrevistado.
Quando questionado sobre a legalidade de ter mais de uma emissora ter mais de um canal na rede aberta, Maritinelli foi ríspido “ A RBS têm a Tv Rural, Tvcom e a RBS TV. Alguém alguma vez se queixou da legalidade destas? Ora, isso é jogo de interesses!”
O formato do jornalismo da Record muito se assemelha ao do jornalismo da sua principal concorrente. Assim como muitos profissionais que trabalham na emissora eram do veículo Globo. Sobre o assunto, Martinelli é categórico “Televisão não nasceu com a Globo e o PT não foi o primeiro partido no mundo” CBS, NBC e o próprio noticiário da BBC usam o mesmo formato de noticiário, a Record apenas adaptou um modelo padrão. Os profissionais foram contratados da emissora concorrente por terem eficiência, qualificação. “ É claro que vamos chamar gente da Globo, além do grande número, o processo de seleção deles é apuradíssimo. Quem tá na Globo é bom, mesmo que não esteja no lugar certo” admite.
Mesmo com um Jornalismo sem Ana Paula padrão ou Boris Casoy a audiência mantém-se estável. Na emissora trabalham profissionais, e não estrelas. Por isso a grande aposta na credibilidade, veiculada a qualidade da notícia e não na cruzada de pernas da entrevistadora.
Martinelli faz a analogia que Record funciona como a fé de um evangélico.

Quem vai ao culto da igreja, vai independente de quem é o pastor. Quem assiste a Record, acredita no que lá veiculado.
A emissora, apesar de pertencer ao bispo da Igreja Universal do Reino de Deus, mantém um jornalismo desvinculado da religião. Questionado se acaso a emissora muda-se de postura e viesse a comprometer o jornalismo com as ideologias da igreja, Martinelli confessa “ Na teoria, não. Sou a favor do jornalismo democrático. Mas tenho a pensão da minha filha para sustentar’’

C'est la vie



Soraia era mãe de dez filhos. Três meninos e sete meninas. Uma mulher exemplar; dona de casa e esposa dedicada. Entretanto, nenhum vestígio de sorriso em seus lábios.
Guardava no oratório, entre a bíblia e as receitas de bolo, as revistas de moda. Mas não eram os modelitos que lhe chamavam a atenção. E sim, as modelos. As garotas de revista. Queria ser uma delas.
Seus longos cabelos negros, nunca antes pintados, eram sedosos como favo. A pele clara transparecia a origem aristocrata. Sua cútis era tão macia quanto um pêssego.
Na frente do espelho, passando batom, lembrava nostálgica do tempo em que sua cintura fora tão delineada quanto à de Martha Rocha. Ao levantar-se, o reflexo do mesmo recusava esconder a maternidade.
Não havia tempo para lamentação. Entrou na carroça e ajeitou o coque bem firmado em sua nuca. No estúdio fotográfico, preparou sua melhor pose. De perfil: lábios cirrados , ombros eretos e olhar ao léu.
Um clique. A foto fica pronta. A revelação, perfeita. Mas a imagem da moça nunca foi publicada pela imprensa. Foi para o álbum da família. Registrou um sonho interrompido.
Crônica

Quem quer ser professor?


Mesmo com as intermináveis crises no magistério estadual, há quem ainda acredite na vocação de lecionar. Ou quem necessite dela para sobreviver. Veja como estes trabalhadores sobrevivem e lutam em prol de seus direitos e de uma educação de qualidade

As filhas de fazendeiros tiveram seu primeiro emprego nas estâncias lecionando. Inicialmente, uma profissão majoritariamente exercida por mulheres que cursavam o magistério por terem o ‘dom’ e eram sustentadas por seus maridos. Atualmente, o panorama se encontra muito diferente, mas os salários dos professores continuam bucólicos.
O dom foi desgastado pelo pouco incentivo profissional. Os problemas ultrapassam a sala de aula e se infiltram na casa de professores e alunos.
Algumas escolas estaduais estão sofrendo enturmação e multisseriação, o que dificulta a aprendizagem do aluno que divide a sala com outros das mais diversas séries e não consegue ter uma ajuda diferenciada do professor.
As verbas estaduais foram reduzidas em 30%, o que fez laboratórios de informática e ciências fecharem. Também foi criado um projeto de sistema de avaliação externa (SAERS) no qual uma prova é aplicada ao final do semestre e as escolas estaduais que não alcançarem resultados satisfatórios serão fechadas. Os resultados comprovarão que em 2007 os alunos tiveram uma queda brutal na educação e justificará a implementação da municipalização ou a terceirização das escolas.
A situação dos professores também é delicada. Os contratados emergencialmente não tem a garantia de manutenção do emprego. Os gaúchos possuem o quinto salário mais baixo do país no magistério e não há um incentivo a especialização por parte do estado. Sem contar com uma defasagem salarial ocorrida no plano de carreira de 74. Comparado com a época, o professor perdeu 300% poder aquisitivo.
Mesmo assim ainda ouvimos frases como esta de membros do magistério : “Nós trabalhamos com o filho da classe trabalhadora, com o futuro trabalhador. É necessário que esse ser humano tenha as mesmas condição de disputa, mesmas condições de vida, daqueles pertencentes ao topo da pirâmide social’’ diz Marlene Machado, professora estadual. As crises podem ser acentuadas, mas ainda há luta.


A GREVE COMO ARMA


São 7 horas da manhã do dia 7 de Novembro de 2007. Três colunas se deslocam em Porto Alegre.A primeira, parte da Rodoviária; a segunda, do Hospital São Pedro; e a terceira da Fundação de Atendimento Sócio Educativo do Rio Grande do Sul (FASE-RS). Uma bandeira é compartilhada: ‘Pare agora, ou pague para sempre’. Neste mesma hora, no dia anterior, estes mesmos professores do estado estavam em sala de aula. Agora, rumavam à Assembléia Legislativa para protestar contra a votação do ‘pacotaço da Yeda’, constituído de uma série de projetos, entre eles, um que aumenta as alíquotas do ICMS. Outro projeto, o 390, trata sobre a lei de responsabilidade fiscal estadual. Pouco divulgado na mídia, o 390 é um projeto de lei que congela o salário dos servidores, impede a contratação de novos servidores ao menos que haja caso de falecimento ou aposentadoria. “O projeto 390 é o que vai promover todo o desmonte do Estado, faz com que o serviço público já sucateado fique em condições muito mais precárias. Nós temos a preocupação de fazer esta denuncia” diz Simone Goldschimidt, atual presidente dos 42 núcleos do Centro dos Professores do Rio Grande do Sul- Sindicato (CPERS) que se envolveram na mobilização em todo o estado do Rio Grande do Sul.Também no pacote consta o regime da previdência do servidores públicos e estaduais e a transferência de contratação de pessoal e gestão administrativa de setores governamentais para organizações da sociedade civil de interesse público (OSCIPS). Estas instituições estarão gerenciando com o dinheiro público,e de forma como se fosse privada, serviços que deveriam ser de responsabilidade do estado como a saúde e a educação.
A manifestação chegou à porta do presidente do senado que prontamente se manifestou impotente em relação a vetar as medidas. “Democraticamente esses assuntos serão deliberados, só quem pode tirar o projeto de pauta é o próprio executivo. Então se o executivo achar que não é o momento de votar, que deve ser feito as correções propostas por vários segmentos, o governo então vai fazer essa retirada’’. A votação para paralizar a votação da medida ocorrerá no dia 9 deste mesmo mês. Os professores, organizados justamente com outros sindicatos lutam para que o estado assuma as responsabilidades sociais mesmo sofrendo represália da sociedade civil e pagando por isso. No governo Collaris ,por exemplo, os 19 dias de greve foram recuperadas, os alunos tiveram estas aulas repostas mas eles não tiveram este vencimento pago. Lula disse em uma declaração, que o servidor público tendo seu salário e fazendo greve recebendo, seriam férias. Apesar disso, o sindicato CPERS atua a 62 anos e é o maior sindicato do estado. “A única ferramenta que temos para romper o autoritarismo e da falta de negociação com os governos, é um movimento de greve. É a ultima arma que a gente usa, mas é efetivo.” diz Goldschimdt.